sábado, 30 de dezembro de 2023

O HOMEM DO SERTÃO E A SOBREVIVÊNCIA

 

Raça de Cachorro Africana | Basenji Africano

 

cachorro com tatu|Pesquisa do TikTok

 

O HOMEM DO SERTÃO      

 Ao escutar o chamamento de sua cadela   Piaba, seu Joaquim, aos 76 anos, tomou o caminho da capoeira.

Animal de  latido forte, respiração ofegante e grunhido  estridente, fungava desgovernadamente.     Ao lado as duas filhas, Baleia  e Peixinha,  abaixo do seu focinho um tatu peba prestes a escapar.

A presa brigava ferozmente pela vida, esperneava desesperadamente, não estava ali para morrer, três  contra um, era uma briga hercúlea, uma contenda desigual.

Piaba, a anciã,   estava cansada e  sem forças, Peixinha a caçula, uma cadela branca,   magra e  preguiçosa,  mal tinha coragem para latir, e quando latia, era um latido fino, curto, incompleto e sem expressão,  um latido sem identificação, sem força e sem coragem.  Peixinha era a retratação fiel do insucesso e da indiferença,  o seu latido não ecoava, não foi  registrado na mente dos racionais ou dos  irracionais da região.

Peixinha recebia  tudo nas mãos, sem  esforços, era uma voraz consumidora.  Na linguagem sertaneja, nascera sem faro, latia amiudado para tudo e para todos, no primeiro grito que levava, botava o rabo entre as pernas, baixava a cabeça,  transformava-se num pacote e saia sorrateiramente medindo os passos, apesar de nova, dormia muito e não tinha iniciativa.

Baleia,  a filha mais velha, era uma  cadela musculosa, dentes afiados, pontiagudos, amolados, língua grande e molhada, olhar fixo, pele sem defeito, focinho preto, patas largas, rabo comprido, branco com rajas  alaranjadas.  O seu latido era forte, latido de uma guerreira e  que todos os  cachorros da redondeza  respeitavam. 

Quando  Baleia latia os demais escutavam com respeito.  A cadela tinha uma  inteligência aguçada, latia pouco e nunca se deitava dentro de casa, sempre  no oitão,  nos fundos ou na frente da morada. De  olhos abertos e  narinas dilatadas, sempre de prontidão e a observar a redondeza.

 No mato, quando saia para caçar, deixava o capiau junto à fogueira. Orelhas atentas e  narinas abertas sondava o ambiente por todos os lados, qualquer balançar de  arbusto, estava lá Baleia a averiguar.  Com relação a caça,  primeiro deixava a presa cansar, exauridas  as forças, Baleia  aplicava o golpe final, sacrificava o animal. Herdara da mãe  todas as qualidades. Foi assim que a  cadela se comportou diante de sua mãe  no encalço do tatu peba.  A caça  não media esforços para escapar das garras da velha cadela. Disputava com a senil, a loteria da vida, todo o esforço é pouco para conquistar a ameaçada vida.   

Peixinha, a magrela,  latia para dentro, com medo e sem rumo, latia por latir.  Piaba exausta, ofegante, coração acelerado estava  entregando os pontos. Diante da cena, dos fatos e da luta,  a cachorra Baleia  tomou a dianteira. 

O tatu peba desorientado, cansado e acuado estava prestes a entrar na toca, e uma vez  emburacado, só sai quando se sente seguro. Muitas vezes a toca tem duas bocas, ele entra por uma e sai pela outra, e  deixa os caninos a latir, fuçar e farejar a boca de entrada até desistir.  Na maioria das vezes, só vira comida se o caçador cavar à sua procura, a cachorra sabe muito bem destes detalhes, nasceu vendo a sua mãe  caçar. 

A nova líder não titubeou, ficou frente a frente com a caça, mirou a sua cabeça, fixou as patas trazeiras no banco de areia  e fincou as presas no valente tatu, foi a gloria de seu Joaquim, foi o golpe final, mais uma etapa no ciclo da sobrevivência.

Ciclo da lida diária dos seres vivos, que fazem de tudo para  escapar da fome e permanecer vivo   nos esquecidos  sertões do Nordeste.

Os irracionais brigam entre si pela sobrevivência, os maiores eliminam os menores, lutam pela bóia diária, mas não contribuem para o desequilíbrio da natureza, já os homens em busca do pão de cada dia, abandonados pelos  poderosos,   lutam entre si e contra os animais, muitos em processo de extinção.

Os capiaus, num salvem-se quem puder, com as suas peixeiras, espingardas, enxadas, facões  e foices propiciam pequenas  devastações da fauna e da flora, numa luta desigual e desumana, brigam pela subsistência.   

 Neste dia, seu Joaquim, esposa e  filhos tiveram  carne para comer. Foi assim por muitos anos a vida dos Nordestinos natos da Serra do Araripe. Homens  da Caatinga, mãos grossas, voz gutural, tez esturricada, dentes falhos,  pensamento curto e mente limitada. Nordestinos  dos currais, dos roçados, das coivaras, das miragens, das crenças, da dependência e da    subserviência. 

Salvem-se quem puder, continua sendo o lema do árido Nordeste, regado pelos trovões da desinformação, da exploração  e da inexistência das chuvas de  cidadania .

 

                             Salvador, 17 de Abril de 2023

                                  Iderval Reginaldo Tenório

 

ESCUTEM ESTES DOIS SAMBAS ENREDO SOBRE O HOMEM DO NORDETSE.

A composição de Edeor de Paula foi interpretada na avenida por Nando e Baianinho[5].

Entre os cantores que regravaram o samba estão Mestre Marçal e Dudu Nobre[6]

 



Em Cima Da Hora 1976 - OS SERTÕES (SAMBA+LETRA)
YouTube Arthur Sambista
24 de ago. de 2018

MOCIDADE Carnaval 2023 - Sambas de Enredo - Clipe Oficial

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