sábado, 24 de junho de 2023

Histórias do Nordeste, CONTOS SOBRE O POVO DO NORDESTE

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Cozinhar no fogão à lenha é tradição mantida por muitas famílias no  interior de SP | Nosso Campo | G1

Histórias do Nordeste

Conta  um artista paraibano, que ao voltar do Rio de Janeiro com um diploma  de nível superior,  em música, outorgado por mérito pela  Universidade  Federal  do Rio de Janeiro, quis  melhorar o conforto e o nível habitacional dos seus pais .

Relata que explanou os seus pensamentos  e expôs as grandes novidades , todos ficaram abismados com o que ouviram.   Moravam no campo e ele pretendia comprar uma casa na cidade, implantar o modernismo para a sua família e colocar todos os sobrinhos na escola, o  sítio continuaria sendo o porto seguro e lugar de descanso nos fins de semana.

A sua avó, uma senhora de setenta anos, foi muito dura e resistente a aceitar as mudanças, fez várias indagações,  exigia convincentes respostas.

1- “Com esta tal de geladeira, que conserva os alimentos durante dias, o que ela iria fazer no seu cotidiano, se o seu trabalho era catar o feijão, lavar, temperar, botar na panela de barro  e depois colocar no fogão, a lenha, para cozinhar”

2- “Com este tal de fogão a  gás, que inclusive é muito perigoso, o que iria ela fazer, se o que faz  é pegar lenha na capoeira, cortar com um machado, fazer o feixe, levar para casa, colocar no fogão,  ascender o fogo com querosene, assoprar com a boca e ajudar com um  abano de palha, depois  pôr  a panela na trempe, olhar de vez em quando e completar com água para não secar  ou queimar”

3- “Como pode trocar as panelas de barro por panelas deste tal de alumínio, panelas de metal, será que não faz mal à saúde? será que não contamina a comida? Será que o barro não é mais sadio?”

4- “Como pode fazer uma sentina( privada, casinha, sanitário) dentro de casa?,  o fedor deverá ser de amargar, pois no quintal já se sente na sala, imagine dentro da própria casa, vai ser de torá, vai deixar de ser privada e se transformará num verdadeiro chiqueiro e aqui ninguém é porco”.

A sua mãe  também fez as suas reclamações e cheias de propriedades.

1- “Onde vou criar galinhas,  porcos,  perus,  gatos e os cachorros ?”

2- “Com esta tal de geladeira como vou conversar com os meus amigos nas feiras, nas bodegas, nas vendas e nas mercearias?  Vou todos os dias fazer as compras e saber de tudo que está acontecendo com o mundo, pois muitos têm até este tal de rádio, que fala até pelos cotovelos. Com esta modernidade não  preciso caminhar mais, nem falar com os amigos, vou viver presa, isolada do mundo e sem conhecimentos, vou mofar, posso até adoecer com este isolamento”

3- “O tal do fogão a gás, o que  mãe falou está tudo certo,  vai ficar encostado, feijão só pega gosto se for cozido no fogão a lenha.  Disse o rádio que o gás  é muito perigoso,  se não tiver cuidado corre o risco de incêndio e  o botijão pode explodir,  se trouxer  vai ser instalado no quintal,  dentro de casa não quero esta bomba, ainda quero vê os meus netos se formarem, não confio nestas modernidades. Outra coisa estranha  é o tal de sanitário. Como pode uma pessoa almoçar sabendo que tem outra defecando bem pertinho de você, quem vai aguentar o fedor? a ideia não foi boa, este modernismo está muito  moderno para o gosto daqui do interior.” 

Segundo o grande músico, foi duro convencer os familiares. Mesmo depois de tudo pronto, arrumado, instalado  e explicado foi difícil aceitarem. Imagine que naquela época não existiam na região máquina  de lavar, microondas, televisão, ar-condicionado e nem o computador, caso existissem seria mais difícil, seria mergulhar noutro mundo. 

A geladeira ficou apenas para gelar a  água, todos os dias a sua avó reclamava:“ só serve para encarecer a energia e dá  choque, água gelada doe nos dentes”.

O fogão só para fazer  café,  chá  ou uma emergência.  Para o feijão e comidas pesadas o gasto de gás era muito grande, e é caro, tanto que o botijão só foi substituído por outro cheio seis anos depois. O velho fogão a lenha passou a queimar  carvão vegetal  depois de muita luta, já foi uma modernidade encampada. 

 O sanitário da sala só para micção, escovar os dentes, lavar o rosto e tomar banho, as evacuações continuaram no banheiro tradiciona , no quintal, mantido por exigência  de todos, só assim continuou  sendo  um ato privado, pessoal e sem compartilhamentos.

Os avós morreram, os pais já estão velhos.  Hoje usufruem de uma bela casa construída pelo filho artista  e com diversos equipamentos domésticos. 

Vivem sem amarras, incorporaram o mundo moderno e são rodeados por muitos descendentes de nível superior, fruto da saga deste dileto amigo paraibano. Um  lutador contumaz dos sertões do Seridó.

O progresso às vezes deixa a cabeça das pessoas a pensar e que nos ensina muito. Mesmo com poucos conhecimentos, pouca educação do imaginário humano  ou mesmo sem nenhum estudo já era um alerta para o sedentarismo, o isolamento social, o consumismo  e as  suas  consequências.   

Respeitar  o tradicionalismo com moderações, os costumes dos mais velhos sem corrompê-los, implantar a modernidade vagarosamente  sem substituir a ferro e fogo o passado é tarefa da civilização moderna. 

A humanidade vive em eterna metamorfose.  O hoje, com esta vida cibernética  e eletrônica, já pode ser considerado arcaico para o ontem.

O micro está sendo substituído pelo nano, os fios pelos raios,  o trabalho presencial pela tarefas  online e  os homens pelos ciborgues. 

O homem pela teoria da evolução natural, Darwiniana, se aprimora,  cria várias subespécies, diferentes castas,   que se distanciam cerebralmente uma das outras . 

Pela teoria da evolução artificial da computação, da física e da matemática, o homem  é um    humanoide, um CIBORGUE. 

  Não tem mais volta, nasce  uma nova civilização.

Iderval Reginaldo Tenório.

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