quarta-feira, 3 de maio de 2023

A GRANDE VIAGEM . Iderval ReginaldoTenório

 

                                                                                     


Astronomy & Astrophysics 101: Big Bang


Mistério da matéria perdida do cosmos é desvendado com ajuda de rajadas de  rádio - Canaltech

A GRANDE VIAGEM

Iderval ReginaldoTenório  

Entrou  em interação com a natureza, num abraço mútuo constituíram um único corpo. Desligou  as lâmpadas, puxou as  cortinas,  abriu as  janelas e as portas, colocou uma seleção de  músicas eruditas,  só audíveis a olhos fechados,    respiração em extremo silêncio,  incursões cadenciadas, compassadas e meticulosamente executadas.

Deitou  numa densa espuma,   forrada com   uma  felpuda colcha branca,  aromatizada à patchouli. Concentrado, imóvel, em meditação,  fechou os olhos e iniciou a imaginária flutuação. À proporção que imaginava e se concentrava, paulatinamente  foi se afastando, flutuando e se desligando  até sair totalmente da matéria. Projetou-se no cosmo. Flutuando através dos tempos e levitando  mergulhou  no espaço sideral em sono profundo.

Tangenciando os planetas, vazou o sistema   solar, alcançou outras estrelas da via láctea. Atravessou  bilhões  de sistemas da nossa galáxia até mergulhar na escuridão intergalática.   Passeando  por bilhões de outras galáxias atravessou o universo,  entrou e saiu   noutros milhares de universos, passou a conhecer a imensidão  do cosmo e a infinitude do multiverso .

Longa foi a viagem.  Deu uma volta através dos tempos, fez um verdadeiro regresso. Chegou à primeira estação, 1914, choro de  criança,  18 de setembro, uma sexta-feira chuvosa, cinco e trinta da manhã,  naquele dia nascia uma menina,  mais um ser humano, mais uma semente para germinar e gerar outras vidas na terra

O vilarejo, a  casa e os aposentos  extremamente simples, posicionou-se  no canto da sala ao lado de uma roseira.  Entravam e saiam pessoas, umas novas e outras mais velhas, da cozinha saia um cheiro convidativo do verdadeiro café torrado no caco e pisado no grande pilão feito de tora de jatobá.  O dia clareou, ninguém notou a sua presença, continuou no mesmo cantinho  ao lado do grande jarro, observando o chegar, o sair, os sorrisos, os abraços e os cumprimentos das visitas. Choro de criança,  casa cheia, era  um dia de fartura,  muita comida, bebidas e   alegria. Tiros de bacamartes anunciaram a chegada de mais um rebento. O  levitante    no cantinho, silenciosamente  a observar, era um dia de festa. 

O sol apontou no horizonte, o orvalho salpicava  as folhas da densa e verde mata, os pássaros voavam e chilreavam alegres com a torrencial aguada da noite, os raios clarearam  o sertão. De repente saiu pela porta do quarto, afagada e protegida  nos braços da parteira,   uma bela  menina, uma criança linda, cabelos lisos e pele cor de jambo. Chorava copiosamente, era uma criança chorona.  Ao chegar à sala observou, olhou, arregalou os olhos castanhos e fixou os dois em cima do nobre visitante, só ela o enxergava,  ao se locomover nos braços  da parteira,   virava a cabecinha para onde ele se  encontrava,  sempre a sorrir.  Veio um pequeno silêncio, a cena foi se desfazendo,  a luz foi cedendo espaço à penumbra, até escurecer.  O mortal continuou a sua longa viagem  no infinito  multiverso, navegou pelo vasto espaço sideral, no cosmo. 

Quarenta anos depois entrou numa nova estação,  1954, 18 de março, quinta feira chuvosa,  sete horas da manhã.  Aquela criança, de 1914,  era mais uma vez a estrela da cena. Cabelos pretos, voz segura, forças nos pulmões,  um rebento nos braços  e de olhos fixos na sua cria assim   se pronunciou :

--” Seja bem-vindo ao reino dos humanos”.

Silêncio celestial, o perfume das rosas, o olhar e os sorrisos de uma criança afloraram da sua mente e se apossaram do ambiente. Em levitação o viajante  mergulhou no espaço dando continuidade ao misterioso deslocamento.

Viajou por outras plagas a observar as estrelas,  a profundidade do desconhecido e fez uma nova parada, estação    2013, 11 de setembro,   a estrela era  a mesma menina de 1914 e de 1954, agora  uma senhora de coque branco, tez macia, olhos fixos e brilhosos, voz em veludo, angelical, serena e musical.  Foi  ao seu encontro,  fixou o  olhar sobre o mesmo, o abraçou, o afagou, o beijou e mansamente balbuciou  nos seus ouvidos  depois de  coloca-lo no colo: 

   --“ Fique calmo,  o Senhor está me chamando, irei pessoalmente  ao seu encontro, morarei definitivamente na casa do Pai” e se esvaindo das suas  mãos, dos seus braços  e dos seus olhos foi se afastando, se distanciando, rindo, dançando,  cantando e cantarolando.   Cheia de vida e de alegria   tomou o caminho da casa de Deus, o Criador lhe chamou.

O solitário, solto  no Multiverso,  fez a viagem de volta, reviu tudo que foi visto na ida, entrou no quarto pela mesma  janela, olhou aquele corpo imóvel, inerte, descoberto e  vazio, agasalhou-se  nas suas entranhas  e mais uma vez nele se albergou, o sol bateu no seu rosto, abriu descansadamente os olhos e ao seu lado surgiu uma voz: 

___” Seja bem-vindo ao seu mundo, estou  ao lado do Senhor, estou   bem, olhando por todos. Lembra daquele menino que  nasceu no ano de 1914, no dia 23 de julho,   numa manhã chuvosa de uma  quinta-feira?   manda lembranças.  Aqui estamos juntos orando e rogando por todos, estamos cotidianamente com vocês.  Onde estamos podemos continuar próximos de todos, somos onipresentes, uma vez que só Deus, o nosso Pai,  é onipotente, onipresente e onisciente”. 

Serenamente o andarilho ainda inebriado,  moveu o corpo, mirou  bem para  onde vinha a voz  e irrefutavelmente  balbuciou:  

___A benção mamãe

 Aguardou um instante e a voz, somente a voz, mais distante quebrou o silêncio:

 ___“ DEUS TE ABENÇOE”

                                             

                                  Iderval Reginaldo Tenório

 

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