sábado, 8 de agosto de 2020

Como a Covid-19 mudou os hábitos dos profissionais do sexo em Fortaleza

 

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Como a Covid-19 mudou os hábitos dos profissionais do sexo em Fortaleza

Da exigência do banho ao atendimento totalmente virtual, novos protocolos passaram a ser exigidos por garotos de programas em Fortaleza 

 

A tela do celular se ilumina com a mensagem que chega no aplicativo de mensagem. É um cliente querendo marcar um encontro sexual para dali a alguns minutos. Seria um atendimento qualquer, não fosse a pandemia do coronavírus que castiga diversos setores da economia desde março. Com o mercado do sexo, não seria diferente. A diferença é que, para não perder tantos clientes, parte dos profissionais do sexo de Fortaleza passou a adotar protocolos sanitários para receber outras pessoas nos locais de atendimento.

 

Hadassa (nome fictício), garota de programa atuante no bairro São Gerardo, diz que só parou totalmente as atividades durante 15 dias, mas apenas no mês de março, quando os primeiros casos de Covid-19 foram registrados na Capital. “Fiquei com medo e passei esse tempo em casa. Depois, voltei normal porque preciso trabalhar”, conta. Ela afirma que não houve queda no movimento das marcações.

 

Apesar da continuidade dos programas, ela ainda tem apreensão com a contaminação. Por isso, quando os clientes entram no quarto, ela pede que eles tomem banho para se livrarem de possíveis vestígios do vírus - segundo Hadassa, alguns precavidos perguntam antes se há local disponível para isso. Por outro lado, diz que não cobra o uso de máscaras.

 

No ramo há cerca de oito anos, Céu D. (sobrenome preservado) permaneceu duas semanas parada, também naquele mês, mas o receio de perder clientes e piorar sua condição financeira - e, consequentemente, o sustento da mãe e de duas filhas - pesou mais na balança. Com o fechamento de boates onde fazia shows e a redução dos programas com clientes fixos, que passaram a ficar mais em casa, o faturamento mensal chegou a cair mais de 50%.

 

“Tem mês que eu tiro de R$ 8 mil. Na pandemia, tirei R$ 4 mil, R$ 3 mil. Não pude reclamar, mas não mantive o meu padrão”, explica ela, que nos últimos meses chegou a viajar para Minas Gerais, Pernambuco e Piauí para trabalhar. Em todas as cidades, garante, os cuidados são os mesmos. 

 

“No quarto, a gente sempre mantém álcool em gel e pede para não entrarem de sapato. Da porta, vão direto pro banho”, conta. Uma pergunta básica também costuma vir dos dois lados: “você já teve Covid-19?”
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A garota de programa relata ainda que pensou em trocar de número de celular porque, em outros Estados, o código 085 era imediatamente ligado a Fortaleza, e os clientes “sabem que aqui foi um dos locais mais atingidos”. “Caiu pra todo mundo, principalmente para as meninas que não trabalham em site porque as boates estão fechadas. Muitas com quem tenho contato estavam praticamente passando necessidade”, testemunha.

 

Comportamento

Outro afetado foi garoto de programa Robson (nome fictício), com local de atendimento no Centro de Fortaleza. Para ele, no ramo há quatro anos, entre paradas e retomadas, nunca houve um período tão complicado financeiramente. “O que tirava em uma semana, tô tirando no mês”, revela. O complemento da renda vem de bicos como designer gráfico e de parte do auxílio emergencial recebido pela mãe.

 

Robson também adota o protocolo do banho antes do atendimento, que passou a ser principalmente a domicílio. “O Centro é um local em que as pessoas juntam o útil ao agradável; às vezes, vinham resolver alguma coisa e passavam aqui, coisa rápida. Nesses tempos, a demanda foi muito pouca. Muitas pessoas vêm atrás só de conversa, de ver fotos, de passar um tempo… mas nem isso teve, tá sendo muito fraco mesmo”, lamenta.

 

A sexóloga Josi Mota pondera que as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) geravam ameaça antes mesmo da Covid-19, mas nunca impediram os encontros sexuais. “Acho que, de maneira geral, algumas pessoas curtem o risco, a adrenalina, mas não sei até que ponto elas pararam. Não poderíamos chamar de compulsão porque isso precisaria de uma avaliação mais precisa”, observa, acreditando que o principal público é formado por homens.

Modo virtual

Outros profissionais do sexo continuam preferindo não se arriscar. Em sites de acompanhantes que anunciam na Capital, a tecnologia é oferecida como forma de mediação do encontro. “No momento de pandemia, o meu atendimento é somente virtual”, explica uma garota de programa.

 

Outra mulher reitera apenas o atendimento online, bem como serviços extras que não dependem do contato físico. “Vendo vídeos, realizo chamadas de vídeo e produzo pacotes com fotos. Também vendo calcinha usada, meias, sapato usado e outros fetiches”, anuncia, alegando ser especialista em fantasias como podolatria (desejo sexual por pés) e striptease.

 

Céu D. diz que nunca tinha realizado atendimentos virtuais, mas também precisou se reinventar diante da nova realidade.

 

“Eu vendia vídeos, mas era uma coisa ali e outra acolá. Não era meu forte. No começo, eu não tinha muita paciência, mas comecei a fazer porque não podia perder. É bem mais barato, chega a ser um valor simbólico, mas é melhor do que nada”, afirma.

 

Outras práticas sexuais

Em abril, autoridades do Ministério da Saúde da Argentina recomendaram sexo por videochamadas e sexting (por mensagens) como alternativa ao sexo casual, para minimizar os riscos de transmitir ou contrair a doença. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reforça que não é possível se infectar através da relação sexual, mas que o contato íntimo com beijos e abraços “favorece a transmissão do vírus se um dos parceiros estiver com a Covid-19, já que ele é transmitido pela saliva”.

 

Segundo a sexóloga Josi Mota, pela recomendação de não tocar o outro, a pandemia se revelou “um bom momento de descoberta de si mesmo, principalmente para mulheres”. Ela avalia que, se houver confiança mútua entre os parceiros, o sexo virtual também pode se tornar um aliado nesse período. “São atividades muito bem vindas porque são formas de prazer”, ressalta.

 

Sobre o sexo pós-pandemia, a especialista não visualiza grandes mudanças para a maior parte da população, ainda que os órgãos de saúde alertem para a troca de fluidos. “Creio que o afrouxamento instigou mais ainda a vontade de abraçar, de beijar, de tocar. Sabe quando você tem fome e alguém diz que a mesa está liberada?”, ilustra.

 

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