quinta-feira, 30 de abril de 2020

O FILHO , O PAI , A NATUREZA E OS IDOSOS

Meu Velho Pai - Léo Canhoto e Robertinho | Sertão, Caatinga e ...
Olho grande, bruxa, atrapalho na vida, seja tudo arredado" | GaúchaZH





O FILHO , O PAI , A NATUREZA E OS IDOSOS

Este Texto foi produzido quando completei 07 anos de Medicina(1989) e fiquei preocupado com o destino dos nossos idosos , pensei que ainda no fim do século XX  o ser perderia em parte para o ter, perderia à proporção que ocupações importantes fossem embutidas nas vidas dos  filhos educados pelo suor dos seus genitores, educados às custas de muitos sacrifícios , resignação e humildade.

Imaginei um mundo repleto de casas de idosos e os filhos quando bons , custeando.
Imaginei que muitos  seriam abandonados.
  Como medida de segurança enviei aos poderes públicos uma carta perguntando se não seria criado um manual, um regimento, um estatuto para proteger os desprotegidos do futuro.

Sempre falei e ainda falo para todos que me escutam que, no futuro além dos menores abandonados , serão milhares de idosos no abandono.

 Brevemente o Brasil será habitado por cidadãos  acima dos 60 anos .
Fui informado que tramitava no  Congresso o estatuto do idoso e o estatuto do adolescente, fiquei mais tranquilo, apenas mais tranquilo.

Salvador, 12 de janeiro de 1989

Iderval Reginaldo Tenório

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU



Numa roda de amigos foi abordado o quanto era importante o olhar, o cheiro , os conselhos e a presença dos pais.

Num caloroso e contagiante momento,  contou um dos amigos a seguinte história 

  Relatou que na sua cidade,  havia um bom senhor oriundo de classe social baixa ,  que  apesar do seu analfabetismo, com a sua vasta cultura existencial e o suor do seu próprio rosto,  conseguiu educar os seus 14 filhos.

O tempo passou, os filhos cresceram, alguns galgaram postos importantes na sua nação e o bom senhor à proporção que ganhava conhecimentos, foi envelhecendo.

Envelhecendo com saúde, com dignidade, com cidadania e com o respeito de todos os que lhe rodeavam. 

Como é peculiar à família e aquela não fugira a regra,  anos após anos procurava através de encontros familiares lembrar ao velho carvalho o seu incalculável valor , a sua importância e o quanto era cabal a sua existência para a sua prole. 

De todos os seus filhos , um havia voado mais alto e galgado postos estratégicos na sua República, o tempo passava e aquele filho nunca estava presente devido a sua importância perante a nação , muitas  vezes nomeava prepostos, as vezes  irmãos e até mesmo amigos para lhe substituir nos encontros familiares, jamais negara ajuda financeira quando solicitado , era  sempre influente nas questões decisórias da família.

O tempo passou, o ancião foi perdendo as forças, os músculos foram minguando, os cabelos ficaram ralos , a mente foi ficando curta, murchando e o bom homem foi paulatinamente perdendo a memória, perguntava onde estava, muitas vezes perguntava até mesmo quem ele era.

  A  grande e tradicional família continuava as suas comemorações, anos após anos, e anos após anos o filho que prosperou era substituído por outro irmão , por um amigos ou um dos seus funcionários, até o dia em que foi convocado, até mesmo intimado a comparecer, em pessoa,  ao centenário  do patriarca por todos os componentes daquela feliz e honesta família.

Ao chegar, entrou no quarto do  genitor, se aproximou e disse : 

__A bênção pai.

O velho imobilizado nada respondeu, repetiu mais alto:

__ A benção pai , a  bênção pai.

  o  velho abriu os olhos, mexeu  o pescoço de um lado para o outro, fez esforço para levantar a cabeça , mirou o rosto do  filho e com a voz trêmula balbuciou:

__Quem é você? de onde você veio ? onde você mora? quem é o seu pai? .

O filho parou, pensou, baixou a cabeça e disse :

__ A BENÇÃO PAI, eu sou o seu filho, o seu filho do meio, faz mais de 20 anos que não vejo o senhor, faz mais de 20 anos que não venho na nossa terra.

O pai mais uma vez falou:

__Quem é você, de onde você veio, onde você mora, você é filho de quem, quem é o seu pai? Eu te abençoo mas não sei quem é você, se você diz que é meu filho é porque é o meu filho,  porém eu não me lembro de você. 

Desencantado pelo vasto tempo que havia visto o seu pai , com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara não conseguira entender o que se passava, quando mais tarde  , soube por intermédio dos outros irmãos, que o seu pai num processo fisiológico fora perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar, de verbalizar e de locomoção, passando a lembrar apenas dos fatos repetitivos, dos rostos do seu cotidiano,  das pessoas que de mais perto convivera nos últimos dias,  do seu cachorro, dos utensílios de primeira necessidade, o banheiro,  as sandálias e  o papagaio, primordial para a micção.  

Numa onda de culpa e de irresponsabilidade, entendeu  que o pai,  devido a sua ausência , havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência, havia apagado de sua mente até mesmo a legitimidade paterna, entendeu também que foi a sua ausência , a sua distância e o seu descaso para com o velho e bondoso pai que apagara toda a sua existência como filho.

Desconfiado, deprimido e solitário partiu para a conquista, para a luta, para a briga, se esforçou, porém o velho e bondoso senhor aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais , aos poucos foi esquecendo , esquecendo, esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em vegetação.

Com os fatos presenciados,  o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, de carinho, de respeito e de sua presença,  e não de ajuda financeira.

Foi-se o velho, com ele foi sepultado todas as suas memórias e conhecimentos, restando as boas lembranças e os seus ensinamentos.

Para o filho ficou a certeza que foi 20 anos atrás o ultimo dia em que o seu pai lhe viu, ficou gravado na sua memória que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda,  que o homem é a mente, o homem é a comunicação , o homem é fruto de sua raiz, o homem é o cérebro.

 E que o núcleo familiar, capitaneado pelos genitores, jamais deverá perder a sua importância, jamais deverá ser substituído e por mais longe que o homem vá, as suas raízes serão mais fortes.

Seja pai dos seus pais.

24 de Janeiro de 1989
Iderval Reginaldo Tenório


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