A mulher mais rica da África, de princesa a bruxa
Há neste momento, em Angola, muitos milhares de corruptos aterrorizados
25/01/2020 - 04:30
A mulher mais rica da África, de princesa a bruxa
Há neste momento, em Angola, muitos milhares de corruptos aterrorizados
.
Nos últimos dias, um consórcio internacional de 120 jornalistas de
investigação, de 20 países, divulgou um vasto conjunto de documentos,
expondo a engenharia de saque que permitiu a Isabel dos Santos, filha do
antigo presidente angolano, José Eduardo dos Santos, transformar-se na
mulher mais rica e poderosa do continente africano.
Os documentos do chamado Luanda Leaks comprovam algo que toda a gente
já sabia, mas que muitos se esforçavam por ignorar e esconder. O
escândalo não deveria ser o roubo em si, protagonizado por Isabel dos
Santos, mas o silêncio global que perdurou por duas décadas,
protegendo-a e fortalecendo-a.
Isabel dos Santos foi recebida de braços abertos por empresários e políticos, em inúmeros países, especialmente em Portugal. Esses empresários não mostraram o menor prurido em associarem-se a uma mulher que era, até ao início desta semana, conhecida como a princesa de Angola. Criaram com ela todo o tipo de empresas, sabendo muito bem que aquele dinheiro fora roubado ao povo angolano. Espero que também eles respondam perante a Justiça.
Isabel queixa-se de ser vítima de uma caça às bruxas. Passou, portanto, de princesa a feiticeira. É um arco narrativo que merece ser estudado. A filha mais velha de José Eduardo dos Santos começou a sua meteórica ascensão há pouco mais de vinte anos, utilizando dinheiros públicos para construir gigantescas empresas privadas. Ao mesmo tempo que adquiria empresas, fábricas, apartamentos e iates, ia também comprando consciências, amizades, e aquilo que ela mais ambicionava — o reconhecimento público do seu gênio empresarial e da sua integridade. Sim, ainda anteontem havia um magote de políticos, banqueiros, empresários, formadores de opinião elogiando os méritos de Isabel dos Santos.
No momento em que escrevo estas linhas verifica-se o movimento contrário: há agora uma série de entidades financeiras tentando romper ou ocultar os laços que as unem ou uniam a Isabel dos Santos. O Fórum Econômico Mundial de Davos, por exemplo, riscou o nome de Isabel do painel de oradores, apesar de o evento ter sido patrocinado pela Unitel, empresa de telecomunicações da multiestelionatária..
A denúncia do consórcio internacional de jornalistas é o mais importante acontecimento em Angola desde o final da guerra civil, em 2002. Talvez estejamos a assistir ao início de uma verdadeira revolução de mentalidades. Até há poucos dias prevalecia no país a ideia de que era impossível combater a grande corrupção. A espantosa queda de Isabel dos Santos veio demonstrar o contrário: se ela caiu, em apenas três ou quatro fulgurantes dias, então qualquer um pode cair.
No apartamento a partir do qual escrevo esta coluna, em Talatona, um subúrbio rico de Luanda, consigo sentir o cheiro a medo que se desprende dos condomínios de luxo, aqui tão perto. Há neste momento, em Angola, muitos milhares de corruptos aterrorizados. Alguns deles tentarão evitar, a partir de agora, envolver-se em negócios menos claros. Outros terão muito mais dificuldade em movimentar o dinheiro roubado.
Comprova-se assim que o jornalismo de investigação ainda existe, e que é capaz de mudar o mundo para melhor.
Isabel dos Santos foi recebida de braços abertos por empresários e políticos, em inúmeros países, especialmente em Portugal. Esses empresários não mostraram o menor prurido em associarem-se a uma mulher que era, até ao início desta semana, conhecida como a princesa de Angola. Criaram com ela todo o tipo de empresas, sabendo muito bem que aquele dinheiro fora roubado ao povo angolano. Espero que também eles respondam perante a Justiça.
Isabel queixa-se de ser vítima de uma caça às bruxas. Passou, portanto, de princesa a feiticeira. É um arco narrativo que merece ser estudado. A filha mais velha de José Eduardo dos Santos começou a sua meteórica ascensão há pouco mais de vinte anos, utilizando dinheiros públicos para construir gigantescas empresas privadas. Ao mesmo tempo que adquiria empresas, fábricas, apartamentos e iates, ia também comprando consciências, amizades, e aquilo que ela mais ambicionava — o reconhecimento público do seu gênio empresarial e da sua integridade. Sim, ainda anteontem havia um magote de políticos, banqueiros, empresários, formadores de opinião elogiando os méritos de Isabel dos Santos.
No momento em que escrevo estas linhas verifica-se o movimento contrário: há agora uma série de entidades financeiras tentando romper ou ocultar os laços que as unem ou uniam a Isabel dos Santos. O Fórum Econômico Mundial de Davos, por exemplo, riscou o nome de Isabel do painel de oradores, apesar de o evento ter sido patrocinado pela Unitel, empresa de telecomunicações da multiestelionatária..
A denúncia do consórcio internacional de jornalistas é o mais importante acontecimento em Angola desde o final da guerra civil, em 2002. Talvez estejamos a assistir ao início de uma verdadeira revolução de mentalidades. Até há poucos dias prevalecia no país a ideia de que era impossível combater a grande corrupção. A espantosa queda de Isabel dos Santos veio demonstrar o contrário: se ela caiu, em apenas três ou quatro fulgurantes dias, então qualquer um pode cair.
No apartamento a partir do qual escrevo esta coluna, em Talatona, um subúrbio rico de Luanda, consigo sentir o cheiro a medo que se desprende dos condomínios de luxo, aqui tão perto. Há neste momento, em Angola, muitos milhares de corruptos aterrorizados. Alguns deles tentarão evitar, a partir de agora, envolver-se em negócios menos claros. Outros terão muito mais dificuldade em movimentar o dinheiro roubado.
Comprova-se assim que o jornalismo de investigação ainda existe, e que é capaz de mudar o mundo para melhor.
Dr. Iderval excelente comentário. Realmente o jornalismo de investigação não existe, principalmente no Brasil. Um abraço. Danilo.
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