sábado, 22 de junho de 2019

UMA MÃE, CINCO DOS SEUS REBENTOS NUMA MADRUGADA DE CHUVAS, VENTOS , TROVÕES E RELÂMPAGOS NO ESTADO DO CEARÁ .

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UMA MÃE,  CINCO DOS SEUS REBENTOS  NUMA MADRUGADA  DE CHUVAS, VENTOS , TROVÕES E RELÂMPAGOS  NO ESTADO DO CEARÁ  .

Era março de 1960, madrugada do dia 18 para o dia 19, dia de São José, do teto coberto por telhas coloniais, vermelhas e encaixadas uma sobre a outra caiam  gotículas  que se perdiam em nuvens antes de atingir o desgastado piso de mosaico amarelo fosco,  da velha e alta casa  do bairro do socorro,  na bela Juazeiro do Norte .


Sobre esta cobertura milenar caiam milhões de gotas d’água num verdadeiro dilúvio que inundava o Ceará e que, acompanhados de ensurdecedores trovões, cortantes ventos,  eletrizantes relâmpagos compunham  aquela cena que  tanto assombro  trazia e traz às  inocentes   crianças e aos animais irracionais.


A combinação da pouca idade dos cinco rebentos com  os quatros   fenômenos da natureza, os estalidos e as pancadas firmes da chuva no telhado, o ribombar dos trovões , o chicotear dos fortes ventos e  os clarões dos relâmpagos,  que  modificavam as formas dos objetos ao serem atingidos pelos eletrizantes raios ,  traziam  para a longa e escura noite  milhares de elucubrações assombrosas na mente  dos moradores  da casa 55, da  Praça do cinquentenário, do bairro do Socorro, na terra do Padre Cícero .


 A cidade achava-se   dominada  por uma das maiores chuvas do seco e árido Cariri Cearense , mesmo assim,   conhecido como o Oásis do Nordeste, o solo  derretia-se em água , o Rio Salgadinho transbordava ,  encharcava e alimentava os canaviais, os arrozais e todos os pomares   do vale do Cariri, eram as forças da natureza lembrando ao homem quem realmente é o senhor da terra.  


Na larga cama de colchão de palha, a jovem matriarca,  atenta e  a pensar na vida; e   de como proteger as suas crias menores .

 Neste dia de saudosa memória,  o patriarca encontrava-se a vinte léguas em busca do enche bucho , do enche cérebro e do vestir de sua prole, o patriarca do cio da terra , com as suas forças fazia brotar o pão  provedor  e a matriarca  fazia milagres para tudo render e sobrar, tudo sobrava , tudo era em abundância e sempre havia mais e mais bocas a alimentar, era a sua casa o porto para muitos parentes , amigos e ajudantes, era um verdadeiro e frutífero pomar,  era um lar acolhedor, das suas frondes colhiam-se os frutos, agasalhavam-se os pássaros e os insetos, nas suas sombras descansavam todos os seres humanos  e os animais ,  dos galhos, das cascas  e das folhas faziam-se o adubo, os humos das minhocas e por último  o fogo .


 A educação, a habitação, a saúde e a alimentação eram as pilastras dos condutores daquela família, falava para os filhos  que, num futuro muito próximo a força muscular iria perder valor no cotidiano ganha pão, as máquinas iriam fazer todos os trabalhos braçais, até os animais iriam perder esta função   e seria o cérebro o senhor absoluto na condução da vida , enquanto maior o grau educacional mais promissor  seria o futuro, sem educação os seres humanos não encontrariam ocupações dignas na lida diária, tudo seria mais difícil.


  A chuva caia torrencialmente sobre o sofrido telhado, as crias  maiores, cobertas dos pés à cabeça,  pensavam na vida deitadas nas suas puídas redes e camas patentes, os menores  aos poucos e em busca de socorro foram tomando o caminho do aconchegante quarto , aposento  no qual  se encontrava a acolhedora  mãe, primeiro o caçula, O MIJÃO ,  com dois anos de idade, depois a chorona, A MAGRELA,  com quatro anos de idade acompanhada  do calado e pensativo, O CHORÃO,   com seis anos , em seguida o corajoso e valente, O GÊNIO,   com oito anos ,  complementado pelo inteligente e cuidadoso, O COMPENETRADO,  com dez anos incompletos. 


A mãe no meio e os cinco rebentos a lhe abraçar,  no aconchego materno da genitora,  na segurança dos seus odores hormonais e nos raios de  confiança advindo do EU da matriarca ,  o medo das rajadas cortantes dos ventos, dos estrondosos rompantes  dos   trovões, dos eletrizantes e incandescentes raios dos relâmpagos  foi substituído pela irrestrita proteção e, como numa regressão  uterina os rebentos entraram num escuro casulo e  a tempestuosa  noite foi transformada num sereno  porto seguro, como recompensa  todos caíram num reconfortante sono.  


Já apaziguados e livres das descargas adrenalínicas, os dois maiores, o corajoso e valente, o GÊNIO, o inteligente e cuidadoso, O COMPENETRADO foram para as suas redes. 


 O calado e pensativo , O CHORÃO,  tibungou numa branca rede  estrategicamente armada para os socorros noturnos e as duas crias menores, O CAÇULA MIJÃO  e A CHORONA MAGRELA , adormeceram  sob a proteção da cuidadosa mãe. Como dois caçuás, um de cada lado, com os braços e as pernas a lhe abraçarem pelo pescoço  e pela  cintura viajaram nos braços do deus do sono, O MORFEU,  até o clarear do dia  , ao acordarem estavam um  a um , cara a cara e bem cobertos com os seus brancos lenções,  levemente azulados, feitos  de sacos lavados com sabão e  anil, porém com o FORTE carimbo circular  : ”  USINA DE AÇÚCAR DAS ALAGOAS”.


Veio  o amanhecer, clima frio, solo molhado, brisa a balançar as algarobas da praça, paredes úmidas, sapinhos e rãs a pularem nas ruas, pássaros a chilrear,  sorrisos nos rostos de todos os moradores da região, vendedores confiantes no bom inverno e no  São José que nunca falhou no dia 19 de março.  Café simples na mesa, banana casca verde, ovos, tapiocas, manteiga de garrafa, cuscuz  cozido num prato esmaltado coberto por um pano branco e  emborcado  numa panela , massa de milho pisado no centenário pilão da avó materna ,    um bule azul de bico esmaltado , decorado  com desenhos de  flores, folhas  e grãos  de café  repleto do verdadeiro   arábico pilado em casa ,  outro com leite bovino com muita nata. 


No centro da mesa comida e alegria ,  muita fala sobre  a grande chuva e como foi bom dormir  nos braços da mais linda, cheirosa, quente, protetora  e amável mãe. 


Fora ou foi  o maior presente para os rebentos CHORÃO e para o  GÊNIO, uma vez que,   os fenômenos iniciaram  no  dia 18 de março  e foram sacramentados no dia 19 de março, dia do padroeiro do Ceará, chuva, ventos, trovões e relâmpagos , uma noite de paz e muita bonança.


Viva o mais sublime e puro amor, o amor de mãe,  neste episódio o amor da natureza, a mãe terra, e o amor de uma verdadeira  mãe, a humana,  se entrelaçaram em nome da fartura e do vínculo eterno das verdadeiras famílias.


Hoje, de olhos fechados e a marejarem, o CHORÃO,  já maduro sonha com aquela  gostosa noite e logo vem na sua mente  como foi bom, importante, necessário e confortante a existência daquele ninho e o acolhimento daquela matriarca para os seus frágeis  e amáveis rebentos .


Nos dias atuais,   quatro senhores e uma senhora choram  como chora o Chorão ao relembrar aquela noite,  uma mãe acolhedora, quatro filhos e uma filha, os cinco mais novos de uma prole de doze , noite escura de  copiosa chuva, ensurdecedores trovões , chicoteadores ventos e eletrizantes relâmpagos, tudo obra  do Criador, obra de Deus e que fez de uma noite de medo na mais gostosa, gratificante, acolhedora  e segura noite de suas vidas.


 Dormir ao lado, pertinho, colado,  cheirando e abraçando a mãe,  sentido o seu amor, o seu carinho e os seus odores  maternos  tornou estes rebentos pessoas melhores, cidadãos do bem e para o bem.


Viva esta grande matriarca e viva esta bela família nordestina , viva aquela inesquecível madrugada de março de 1960. 


Viva o Criador que sempre sabe o que faz. 


Viva!


Salvador, 22 de Junho de 2019.



Iderval Reginaldo Tenório 


                                                DR PAULO CHAGAS  E ESPOSA
                                                   DRA NELMA SANTANA 
                                      GRANDE HEPATOLOGISTA DE SALVADOR 
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