domingo, 7 de abril de 2019

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU

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O FILHO QUE NÃO PROSPEROU

                    Numa roda de amigos foi abordado o quanto era importante o olhar, o cheiro , os conselhos e a presença dos pais.
                       Num caloroso e contagiante momento  contou um dos amigos a seguinte história.

                              O FILHO QUE NÃO PROSPEROU
Relatou que na sua cidade havia um bom senhor oriundo de classe social baixa ,  que  apesar do seu analfabetismo era culturalmente rico . Da universidade da vida cursara presencialmente muitas áreas, principalmente as humanas, do   suor do seu próprio rosto  conseguiu educar os seus 14 filhos.
O tempo passou, os filhos cresceram e alguns galgaram postos importantes na sociedade, fruto dos ensinamentos do grande mestre. 
O bom senhor à proporção que ganhava conhecimentos foi envelhecendo, minguando na vida e perdendo as forças.
Envelhecendo com saúde, com dignidade, com cidadania e com o respeito de todos os que lhe rodeavam.
Como é peculiar à família e aquela não fugira a regra,  anos após anos procuravam os filhos através de encontros familiares lembrarem ao velho carvalho o seu incalculável valor, a sua importância e o quanto era cabal a sua existência para a sua prole em todos os vieses da vida.
De todos os  filhos , um havia voado mais alto e galgado postos estratégicos na sua República, o tempo passava  e  de todos os descendentes, este filho nunca estava presente devido a sua importância perante a nação , muitas  vezes quando se lembrava nomeava prepostos, um   irmão, um primo, um amigo  e até mesmo funcionários  para lhe substituir nos encontros familiares, jamais negara ajuda financeira quando solicitado , era  sempre influente nas questões decisórias da família, a sua presença era pecuniária.
O tempo passou.  Com o passar dos anos o ancião foi perdendo as forças, os músculos foram minguando, os cabelos ficaram ralos , a mente foi ficando curta, murchando e o bom homem foi paulatinamente perdendo a memória, perguntava onde estava, muitas vezes perguntava até mesmo quem era ele .
A  grande e tradicional família continuava as suas comemorações, anos após anos, e anos após anos o filho que não prosperou era substituído por outro irmão, por  um secretário ou por um dos seus amigos, até o dia em que foi convocado, até o dia em que foi intimado a comparecer ao 99º  aniversário do patriarca por todos os componentes daquela feliz e honesta família.
Ao chegar,  entrou no quarto do seu genitor, sentou-se  na cabeceira da cama e  bem junto ao velho pai,   falou :
__Peço a sua  bênção pai,  a bênção pai.
O velho imobilizado nada respondeu, repetiu mais alto:
__ A Bênção pai ,  a  bênção pai.
O  velho abriu os olhos, mexeu com o pescoço de um lado para o outro, fez esforço para levantar a cabeça, mirou o rosto do seu filho e com a voz trêmula balbuciou:
__Quem é você?  De onde você veio?  Onde você mora? Quem é o seu pai? .
O filho parou, pensou, abaixou a cabeça e disse :
__ A BÊNÇÃO PAI, EU SOU O SEU FILHO, o seu filho do meio, é que faz mais de 20 anos que não vejo o senhor, faz mais de 20 anos que não venho à nossa terra, eu trabalho no Ministério, trabalho no governo, moro na capital do país.
O pai mais uma vez falou:
__Quem é você? De onde você veio? Onde você mora?  Você é filho de quem? Quem é o seu pai?
 “EU LHE ABENÇOO, NÃO SEI QUEM É VOCÊ, NÃO ESTOU LHE CONHECENDO, A MINHA MEMÓRIA ESTÁ CURTA,  SE VOCÊ DIZ QUE É MEU FILHO É PORQUE É  MEU FILHO,  PORÉM EU NÃO ME LEMBRO DE VOCÊ”.

Desencantado pelo vasto tempo que havia visto o seu pai , com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara,  não conseguira entender o que se passava.   Mais tarde   soube por intermédio dos outros irmãos, que o seu pai num processo fisiológico fora perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar, de verbalizar e de locomoção,  passando a lembrar dos fatos repetitivos, dos rostos do seu cotidiano,  das pessoas que de mais perto convivera nos últimos dias, primordialmente dos estranhos cuidadores,  do seu cachorro e dos  reles utensílios de primeira necessidade, o banheiro, os penicos , a televisão, o abrir e fechar das  portas , o bate-bate das panelas, dos pratos, dos talheres     e o ranger das velhas e enferrujadas dobradiças das pesadas janelas manipuladas diariamente para o arejamento do ambiente e para  o fornecimento do sol, orientação dada pelos médicos assistentes.  .  

Numa onda de culpa e de irresponsabilidade entendeu,   que o pai devido a sua ausência  havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência, havia apagado de sua mente até mesmo a legitimidade paterna, entendeu também que foi a sua ausência , a sua distância e o seu descaso para com o velho e bondoso pai que apagara toda a sua existência como filho.
Desconfiado, deprimido e solitário partiu para a conquista, para a luta e  para a briga,  esforçou-se, porém o velho e bondoso senhor aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais , aos poucos foi esquecendo , esquecendo, esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em vegetação.
Com os fatos presenciados,  o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, de carinho, de respeito , de sua presença  e não de ajuda financeira ou   de gestos pecuniários, estes atos  jamais substituirão um simples abraço e o calor que emana de cada corpo.
Foi-se o velho, com ele foi sepultado todas as suas memórias e conhecimentos, restando as boas lembranças e os seus ensinamentos.
Para o filho ficou a certeza que foi 20 anos atrás o ultimo dia em que o seu pai lhe viu, ficou gravado na sua memória que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda  que o homem é a mente, o homem é a comunicação , o homem é fruto de sua raiz, o homem é o cérebro.
Ficou claro e evidente ,   que o núcleo familiar é o maior elo entre o homem e a vida, que  jamais esqueça a importância dos seus genitores, estes nunca  deverão perder a sua importância e jamais deverão ser substituídos.  
 Por mais longe que o homem vá, por mais importante que seja  a sua posição,   as suas raízes deverão continuar  fortes e  firmes, terão que continuar  aderidas  e presentes em toda a sua existência.
 Um dia cada  cidadão sentirá o sabor da sua existência e o âmago das suas raízes,  poderá sentir-se abalado quando no decorrer da vida alimente o afastamento dos seus vedadeiros amigos e  daqueles que incondicionalmente lhe amem.  .
"Sejas um bom pai para  seus filhos , que  um   dia serás um bom  pai para os  seus pais"
Iderval Reginaldo Tenório 
 
24 de Janeiro de 1981
Iderval Reginaldo Tenório
6° Ano de  Medicina da FAMED-UFBA



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