IDERVAL TENÓRIO: O MÉDICO E OS SEUS DILEMAS DE FORMAÇÃO- THE DARK SIDE OF MEDICINE

THE DARK SIDE OF MEDICINE

"Antes de fazer um vestibular para Medicina passe um tempo dentro de um hospital."

Ouvi essa frase de um colega médico ao conversar com um adolescente essa semana. Ele contava histórias de abuso, assédio e realidades duras do cotidiano médico que ninguém ousa falar.

Médico almoçando no Brasil é crime, segundo a geração SUS.

"Quero o nome e o CRM desse médico e de todos da equipe por que eu vou processar vocês! Onde já se viu esperar 2 horas por atendimento!"

Dizia o bêbado as 2 da manhã, enquanto assoviava para as enfermeiras que passavam.

"quer levar um pipoco tio? Eu saio daqui e quero ver se você aguenta meu bonde passá"

Dizia o adolescente de 14 anos, espumando pela boca, intoxicado por cocaina enquanto o técnico tentava pegar o acesso para hidratação.

"Se minha mulher morrer eu mato cada um de vocês, seus bostas"

Dizia o acompanhante da gestante em DPP as 4 da manhã por uso de Crack, enquanto uma equipe de 7 pessoas a levava pro CC.

Não preciso exemplificar mais pois sei que cada um de vocês tem histórias parecidas e piores para dividir. Cadeiradas, xingos, insultos, palavrões fazem parte da rotina de qualquer pessoa que lida com público. A grande diferença entre nós da saúde é que a ética nos impede de interromper atendimento, de não atender o paciente agressivo, a revidar as ameaças.

A verdade é que nessas situações a gente finge demência. A gente aceita, mas não devia.

Enquanto acadêmicos, nós não falamos sobre esse aspecto do nosso treinamento e "experiência".

Quando nos tornamos internos e depois residentes, na maioria das vezes, não fazemos idéia que além do técnico científico também teríamos que aprender "pedagogia" em lidar com algumas pessoas agressivas.

Às vezes elas vem em forma de um paciente bêbado, um adolescente sob efeito de drogas, um familiar em surto psicótico ou até mesmo com chefes extremamente estúpidos.

Essa é a medicina. O lado B que os livros não contam, que a TV não mostra.

Residência é o lugar onde o filho chora e a mãe não vê.
Existe tanta doçura e beleza na relação médico-paciente e muitas maravilhas que vi brotar desse tipo de relação, mas como tudo na vida, a medicina também tem um lado negro.

Um lado obscuro que por vergonha ou passividade, não discutimos. Embaixo do tapete de mágoas, escondemos. Essa dolorosa experiência de querer cuidar e ser assediado.

Juntando todas as caixinhas de antidepressivos que meus colegas médicos consomem mensalmente, dá para fazer um belo castelo de dores escondidas.

Saltam aos olhos o número de Médicos, residentes e estudantes de Medicina que se sentem abusados, desvalorizados e deprimidos.

Talvez seja a hora de tirarmos esse elefante de debaixo do tapete, talvez seja a hora de contarmos nossas histórias, talvez seja hora de expor essas situações de risco que vivemos.

E que Deus proteja as enfermeiras e enfermeiros que lidam com isso com uma frequência até maior que nós...

Então, antes de fazer um vestibular para Medicina passe um tempo dentro de um hospital. E se ao pesar dos pesares ainda fores feliz cuidando sem ser cuidado, vá em frente.

- João Luiz Basan-

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