O Coronel Terencio Tirbutino e o seu Aniversário.
O Letrado Coronel Terencio Tirbutino, irmão do Coronel Tiburcio Tirbutino Cavalcanti de Brito Filho , o homem mais forte da Serra do Araripe, manda matar um porco para uma festa na Fazenda Olho D’Água, foi aquele fuzuê.
No dia 10 de fevereiro de 1945, o Coronel Terencio chama o seu capataz titular e passa uma ordem, com a voz firme e encorpada fala para o seu ajudante mor .
___Bala de Rifle, no dia 18 de Fevereiro vai ter aqui na fazenda Olho D’Água, a maior festa de cima deste Sertão, quero o meu terreiro coalhado de gente de todos os rincões desta terra, será um domingo de arrombar, neste dia vem uma caravana da cidade e até o Padre Celestino estará presente, ele batizará todos os meninos pagãos e os cabras amancebados terão que se casar, não quero gente mal abençoada comendo da minha lavra, somos católicos e devemos obedecer a Deus, quero todo mundo muito pabo.
O Bala de Rifle ajeita o seu chapéu de couro, dá uma tragada no cigarro de fumo Arapiraca, enxuga o ressecado e suado rosto sebento, conserta a faca de 15 polegadas na cintura e responde ao coronel.
___Patrão, pode ficá tranquilo, num raio de 20 quilomo, num vai ficá um só comedô de farinha qui num cumpareça a esta fazenda nêsse dia, vô querê este terrêro cum mais de 300 cavalo, muitos burro bons , arguns jumentos e todo o pessoá da redondeza qui nicissita de batizado e casamento, vai sê um festão coroné, pode aquerditá, vai sê o mais maió dos arriá, qui vai vai.
Depois de tudo pronto, convidados avisados, caravanas chegando , gente se ajeitando nas casas da fazenda, nos paiós, nos armazéns, nos aviamentos e nas casas dos parentes, na casa grande só os convidados mais ilustres d Coronel Terencio.
Bodes e perus mortos, galinhas tratadas, panelões de arroz e feijão prontos para cozimentos, macaxeiras, farofa, uma boa cachaça, aluá pras mulheres e pras crianças, bolos de puba, bolo de batata, mais de dez quilos de café, promessa de cinco baldes de leite, pra mais de 100 litros , muito doce e quase tudo pronto para o preparo,os almocreves de todos os tipos arrumando as suas barracas, sanfoneiros, violeiros e zabumbeiros afinando os instrumentos, afinal chegara a véspera da grande festa.
Antes de recolher-se, o coronel chamou o Bala de Rifle, que além de capataz também era seu compadre, e falou.
___ Compadre Bala de Rifle, amanhã bem cedo depois que o sol sair , o compadre ajunte aí uns meninos e mate o maior e mais gordo porco do chiqueiro, mate aquele que pesa uns 200 quilos.
___Pois não meu coroné, o sinhô não se afobe , pruquê dimenhã nóis vai matar o bicho, nóis vai fazê o selviço Cuma o sinhô ordenô.
É madruga do domingo, a turma já com o porco amarrado de véspera não perde tempo, depois de uma talagada de pinga, os meninos, juntos ao Bala de Rifle executam o suíno, fogo aceso pelam o animal, retiram as patas, assam a rabada e comem com farinha, retiram a cabeça , as tripas e os miúdos e entregam a Sinhá Zefinha , tratam o bicho e com o suíno de 200 quilos pendurado em dois mourões do aviamento esperam pelo coronel, felizes e ciente do trabalho bem feito.
O Coronel acorda no raiá do dia, o sol começa a surgir por trás da capoeira, saboreia uma bela e quente xícara de café e toma o rumo do rancho do capataz, estranhou a fogueira ainda acêsa, a velha Sinhá tratando os miúdos do animal, o coronel fica destreinado quando se aproxima o Bala de Rifle e toma a dianteira da palavra.
___Bom dia coroné Terencio, Cuma cumbinado dimadrugada nóis matou o bicho, já tratemos , sinhá já está no trato dos miúdos , o bicho tem prá mais de 180 quilo, trato é trato coroné, trato é trato, nóis foi ligêro.
O Coronel não ficou satisfeito e nem concordou com o realizado por seu capataz e raivosamente retrucou.
__Cabra, como foi o combinado? Eu ordenei que o serviço fosse feito pela manhã quando o sol tivesse nascido , afinal o porco não foi roubado e nem nós somos ladrões, quem mata animal no escuro são os ladrões , quem mata nas escondidas e nas caladas da noite são os gatunos, aqui compadre , se mata animal é no claro, eu não mandei matar antes do sol nascer, afinal eu não suo ladrão, entendeu?
__Coroné, eu quis fazê o selviço mais cedo coroné, pra condi o sinhô acordá vê o bicho já tratado, esta foi a intenção, e agora coroné? Eu num sabia qui o sinhô num ia gostá.
__Não gostei mesmo , agora cave um buraco bem fundo, pegue tudo que for do bicho e enterre, inclusive os miúdos.
__Mais coroné, Cuma é qui nóis vai fazê uma coisa dessa coroné, Cuma?
__Fazendo Bala de Rifle, fazendo e não perca tempo, se lembre que você ainda vai matar outro porco ainda pela manhã, o povo está com fome de comer uma boa carne suína, se avexe e tome prumo na matança.
__Coroné, mais interrá Coroné? Interrá? O prizuízo é munto grande coroné, munto grande.
__É compadre, enterrar mesmo, o prejuízo é grande , mas é meu, enterre o bicho bem fundo para os cachorros não fuçarem.
__Coroné, deixe pelo menos prus araubús comê Coroné, pelo menos deixe prus arubu cumê, os bichim veve a percura de cumida e um animá deste tamâe é carne pru mêis tôdo .
O Coronel não quer conversas, por derradeiro, com o tom da voz mais alto replica e ordena pela última vez e ainda indaga sobre os Urubus ao seu velho vaqueiro.
__É pra enterrar mesmo, e de quem é estes urubus? Quem botou eles no mundo, quem é o responsável e quem deve alimentar os mesmos?
__Coroné os arubos foi criado pur Deus, pur Deus Coroné, pur Deus .
__Então, ele que é o dono, que dê comida aos sues bichinhos, aos meus dou eu.
E foi assim em cima da Serra do Araripe, que o Coronel Terencio Tirbutino Cavalcanti de Brito encerrou a história do grande porco no dia do seu aniversário, um novo animal foi morto, o povo fez a maior festa da região, não ficou um só serrano sem se casar , num raio de 20 quilômetros o Coronel ganhou mais de 40 afilhados, foi padrinho de casamento de mais de 60 casais , os urubus não viram nem o cheiro do belo porco de 180qulos , que foi saboreado pelas bactérias, teius e tatus daquela abençoada Chapada do Araripe, hoje o Geopark do Araripe.
Eu fui testemunha desta grande festa e só de sanfona foram gastas duas, três triângulos e mais de 10 latas de querosene, o Coronel botou pra vê o chão chiar e chiou.
Ainda hoje, quando se fala em festa na Serra do Araripe, tem sempre um que fala, igual ao da Fazenda Olho D’água do coronel Terencio, irmão do Coronel Tiburcio Tirbutino Cavalcanti de Birto Filho, no dia que enterraram o porco, está para acontecer e nunca vai acontecer, o Coronel era homem de capricho, o homem era macho,
Iderval ReginaldoTenório
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