domingo, 6 de setembro de 2015

Remoção de tatuagem atrai número maior de arrependidos graças a lasers mais eficazes


 

Laser para a apagar tatuagem salva os "arrependidos" - Arte André Mello

RIO - Era para ser o rosto de Cristo. Mas a tatuagem feita num estúdio fuleiro ficou parecendo chaga de Jesus no braço esquerdo do rapaz. Indignado, ele decidiu retocar a tattoo, transformando Jesus num mago. Não deu certo: o falso messias virou mendigo de sombreiro. O jovem buscou então um terceiro “profissional” para cobrir o estrago com a imagem de um índio. Dias depois, derramava lágrimas sobre o carpete do Body Art Esthetic Center, em Vila Valqueire. Queria apagar tudo.

— Ele chegou aqui chorando, disse que não tinha como pagar. Fiz para ele um valor, assim, de mãe — diz Simone Marçolla, 47 anos, recordando a história do sujeito que entrou para o folclore do centro estético da Zona Oeste como Cristo Mago Índio. — Eram 22 centímetros de desastre. Mas, após oito sessões de aplicação de laser, já estava praticamente zerado, pronto para outra.

Quando Chico Buarque gravou “Tatuagem”, em 1973, desenho na pele era para se “perpetuar”, “pesar feito cruz nas tuas costas”. Hoje, se a tattoo não for como a dos neossertanejos João Bosco e Vinícius (“tatuagem de amor no coração”), tem jeito. Substituindo cirurgias e raspagens, lasers avançados encurtam os tratamentos. E menos sessões atraem cada vez mais tatuados arrependidos, seja por motivos estéticos (ficou feio), emocionais (nome do ex) ou profissionais (há empregos que proíbem tattoo acima do pescoço ou abaixo do cotovelo).

Nos Estados Unidos, uma pesquisa do instituto IBISWorld revelou que o faturamento com remoção de tattoos aumentou 440% na última década. No Brasil, a rede Pró-Corpo calcula que a procura pelo tratamento aumentou 40% do primeiro semestre de 2014 para o de 2015. Outro sinal: clínicas que parcelam o pagamento de sessões em até 12 vezes e os destaques nos sites de compras coletivas (“Remoção de tatuagem já não é mais impossível com os descontos do Groupon”).

O custo de uma aplicação de laser (que, atenção, só pode ser feita por um profissional de saúde habilitado) fica em torno de R$ 300. Já o número de sessões depende do tamanho e da “idade” do desenho, do tipo de tinta e até da parte do corpo — nas costas sai mais fácil do que no antebraço, por exemplo. O tipo de laser utilizado também influi: os mais novos “quebram” a tatuagem em cada vez mais pedaços, menores e mais fáceis de serem absorvidos pelo corpo.

— Com a tecnologia atual, o tempo de retirada de uma tatuagem caiu pela metade. A pele do local fica praticamente sem danos e é possível apagar completamente cores que antes não saíam, como verde e amarelo — diz a dermatologista Christiane Gonzaga, que há um ano trocou o laser Elektra pelo Spectra e aguarda a chegada ao Brasil do aparelho Picosure, cujos raios quase indolores duram picossegundos (trilionésimos de segundo).

Boa parte das tatuagens apagadas é de iniciais, nomes e referências diversas a antigos amantes — um arrependimento clássico entre celebridades e reles mortais. A atriz Deborah Secco removeu do pé a frase “Falcão: amor eterno, amor verdadeiro”. A cantora Kelly Key tirou um Latino sem camisa da canela. Já a decoradora Carla Vidal pintou uma borboleta por cima do nome do ex no pulso e lamenta não ter partido direto para a remoção.

— Tem coisas que você faz e pensa: por que eu fui fazer isso? Queria uma borboletinha, feminina. Ficou horrível, muito grosseira, incompatível com a minha vida — diz Carla, que calcula que com mais três sessões terá “o pulso de volta”, sem os últimos traços do inseto infame. — Eu me sentia uma bandida! Ainda mais que o meu pai é delegado. Ele é o mais feliz por eu estar retirando a tatuagem.

A cor da pele também influencia: quanto mais clara for, mais eficaz é a remoção. É como se o laser “achasse” o pigmento com mais facilidade pelo maior contraste entre a tinta e a pele. Quando soube desta vantagem, Hirlene Souza, que se define como “muito clarinha”, se animou. Podia apagar de vez a tattoo rejeitada desde que foi feita, quando era adolescente. Foi assim:

OS ARREPENDIDOS

— Sem nada para fazer, acompanhei uma amiga até a casa do namorado dela, tatuador. Lá, ela fez uma tattoo e me perguntou: “Você não quer fazer, não?” Fiz um beija-flor no bumbum. Na hora, achei incrível. Já no outro dia me arrependi profundamente — diz Hirlene, que, assim que apagar a tatuagem antiga, pretende fazer uma nova: um L de Lorena, sua filha, no pulso.

O ensaísta Francisco Bosco, atual diretor da Funarte, escreveu que “a tatuagem é uma intimidade mais íntima do que a pele (...) o nu do nu”. Pois o advogado Alexandre Romero morria de vergonha de revelar sua tattoo. Durante uma viagem para o Oriente, fez no peito dois grandes ideogramas. Era para ser “liberdade”. Mais tarde, descobriu que havia tatuado “amostra grátis”.

— Fiquei um tempo sem tirar a camisa na praia, com paranoia de que alguém soubesse japonês e fosse dar risada. Foi um trauma — lamenta Alexandre, reforçando que a solução do problema não teve nada de “grátis”. — Foram US$ 100 para fazer e R$ 3 mil para tirar.

Outras que passam pelo laser: mulheres arrependidas por terem aderido à moda da maquiagem definitiva, que tecnicamente é uma tatuagem leve.

— Este perfil aumentou muito de uns três anos para cá. Dizem que sai em 12 meses, mas nem sempre sai — diz Gina Matzenbacher, da Clínica Leger. — Na remoção, é como se eu estivesse apagando uma tattoo fraquinha.

Mas não apenas de equívocos vive o mundo da remoção de tatuagem. Às vezes, o problema está em outra tinta: a do contrato de trabalho. A dermatologista Adriana Benito, da rede Pró-Corpo, conta que vários de seus clientes são jovens aprovados em concursos que não aprovam quem tiver tatuagens aparentes, em geral na polícia ou nas Forças Armadas.

— Quando o candidato passa na prova teórica, já começa a se informar para saber como tira. Na hora do exame físico, apresenta um certificado de que já iniciou o tratamento — diz Adriana.

A dermatologista se lembra também do caso de uma aeromoça que tinha uma tatuagem no meio das costas, ou seja, sempre coberta até pelos uniformes mais ousados. Acontece que a garota foi contratada por uma companhia aérea árabe, que não permite tattoo alguma, visível ou oculta. Durante a seleção, ela fez o tratamento — o intervalo entre as sessões varia de uma a duas semanas.

— A gente conseguiu tirar tudo. Não tinha como saber que tinha uma tatuagem ali. Acho que ela nem precisou contar — orgulha-se Adriana.

Há também quem apague tattoos para fazer outra. Pode tirar geral ou apenas clarear a área para um novo desenho. Caso de Simone, sócia da clínica estética que atendeu o teimoso da abertura do texto. É a própria enfermeira quem está removendo uma de suas dez tatuagens: com a mão esquerda, ela segura o laser que apaga o dragão no braço direito.

 

Juntamente com o marido, Fabrício Martins, Simone tem não apenas uma clínica, mas quatro estúdios de tatuagem. Estúdios que estavam à disposição de Cristo Mago Índio assim que ele decidisse o que ia colocar em seu braço recém-recuperado.

— Eu avisei: “Não faz a mesma besteira, vai num lugar legal, pensa no que vai tatuar” — recorda Simone. — Não é que o cara apareceu chorando de novo? Tinha ido a um lugar qualquer e feito uma índia horrenda, com os olhos esbugalhados e duas narinas que pareciam a entrada do Túnel Rebouças. Aí, eu disse: “Realmente, você tem que sofrer cara.”

Como se atingido por um laser, Cristo Mago Índio (e Índia) desapareceu.


O GLOBO

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