segunda-feira, 19 de maio de 2014

O HOMEM DO SERTÃO E A SUA SOBREVIVÊNCIA

                                                                            


                      O HOMEM DO SERTÃO E A SUA SOBREVIVÊNCIA




 
                                                                                   
       O HOMEM DO SERTÃO  E A SUA SOBREVIVÊNCIA    

               Seu Joaquim do alto dos seus 76 anos toma o caminho da capoeira de jequiri e xique-xique, guiado pelo latido de sua cadela  chega esbaforido onde se encontra a cachorra Baleia, animal  de  latido forte, respiração ofegante e grunhido  estridente, fungava desgovernadamente,    do lado da cadela, duas de suas filhas, Piaba e Peixinha ,  abaixo do focinho certeiro da matriarca, um tatu peba  prestes a escapar, brigava ferozmente pela vida, esperneava desesperadamente, não estava ali para morrer de graça, três  contra um, era uma briga hercúlea. Uma briga desigual.

                  Baleia uma cadela anciã  já muito cansada,  estava sem forças, Peixinha a caçula , uma cadela branca,  muito magra, preguiçosa,  mal tinha coragem para latir e quando latia, era um latido fino, curto, incompleto, um latido sem expressão, um latido sem identificação, sem força e sem coragem, Peixinha era a retratação fiel do insucesso,  o latir de Peixinha soava sem registro dos racionais ou dos  irracionais, Peixinha sempre teve  tudo nas mãos sem fazer esforço, era uma grande consumidora , na linguagem sertaneja, nascera sem faro, latia amiudado para tudo e para todos, no primeiro grito que levava, botava o rabo entre as pernas, baixava o pescoço, se transformava num pacote e saia sorrateiramente medindo os passos, apesar de nova, dormia muito .
                 Piaba a sua irmã mais velha era uma  cadela musculosa, dentes afiados, pontiagudos, amolados  , língua grande e molhada, olhar fixo, pele sem defeito, focinho preto, patas largas, rabo comprido, branco com rajas  laranja,  o seu latido era forte, era o latido de uma guerreira, o latido que até os grandes cachorros da redondeza  respeitavam, o seu latido era conhecido até pelos amigos de seu Joaquim; onde Piaba latisse, estava garantido a caçada.  Tem mais, Piaba tinha a inteligência aguçada, nunca se deitava dentro de casa, sempre  no oitão  dos fundos ou da frente da morada do seu dono, pouco latia, apenas observa ao seu redor, os olhos entre abertos e as narinas dilatadas, sempre de prontidão.
                 No mato quando saia para caçar, deixava o patrão junto à fogueira e de orelhas atentas, narinas abertas sempre a sondar o ambiente por todos os lados, qualquer balançar de um arbusto, estava lá Piaba a averiguar, com relação à presa,  primeiro deixava a caça cansar, exauridas  as forças, Baleia  aplicava o golpe final, o animal era sacrificado. Piaba herdara dos pais todas estas qualidades.  Foi assim que a valente cadela se comportou diante de sua mãe no encalço do tatu peba, a caça  não media esforço para escapar das garras da velha cadela, disputava com a senil a loteria da vida, todo o esforço é pouco para conquistar a ameaçada vida.   
                    Peixinha, a magrela,  latia para dentro, latia com medo, latia por latir,  Baleia exausta, ofegante, coração a mais de  mil   estava  entregando os pontos , diante da cena, diante dos fatos e da luta,  a cachorra Piaba tomou a dianteira, o tatu peba desorientado, cansado e acuado estava prestes a entrar na toca, e uma vez  lá dentro, só sai quando se sente seguro, muitas vezes a toca tem duas bocas, ele entra por uma e sai pela outra e deixa os caninos a latir, a fuçar, a farejar a boca de entrada até desistirem, na maioria das vezes só vira comida se o caçador cavar à sua procura, a cachorra Piaba sabe muito bem destes detalhes, nasceu vendo a sua mãe  caçar. A nova líder não titubeou , ficou frente a frente com a caça, mirou a sua cabeça, fixou as patas trazeiras no banco de areia vermelha e fincou as presas no abatido tatu peba, foi a gloria de seu Joaquim, foi o golpe final , mais uma etapa no ciclo da sobrevivência, ciclo da lida diária dos seres vivos sejam homens ou animais, que fazem de tudo para  escapar da fome e permanecerem vivos   nos  esquecidos e abandonados sertões do Nordeste.
               Os irracionais brigam entre si pela sobrevivência , os maiores eliminam os menores , lutam pela bóia diária, mas não contribuem para o desequilíbrio da natureza, os  homens em busca do pão de cada dia, abandonados pelos poderes dos poderosos , sem uma sustentação econômica,  lutam entre si e contra os animais, muitos em processo acelerado de extinção e  que deveriam ser preservados. Os capiaus  inocentementes com as suas peixeiras, enxadas e foices nas mãos propiciam uma  ferrenha devastação da fauna, dos fósseis e da flora regional , numa luta desigual e desumana  num  salve-se quem poder, lutam contra os animais, entre si e contra a natureza.  
              Neste dia seu Joaquim, a sua esposa e os seus dois filhos tiveram  carne para comer. Foi assim por muitos anos a vida do Nordestino nato que conheci e convivi, do nordestino  da Caatinga, das mãos grossas, da voz gutural, da tez esturricada, dos dentes falhos, de pensamento curto e de mente limitada, nordestino do cangaço, dos currais e da subserviência, foi assim por muitos anos a vida desta raça forte, trabalhadora e eternamente abandonada.
            Salve-se quem puder. Foi e continua sendo o lema do árido Nordeste, regado pelos trovões da desinformação e da inexistência das chuvas de  cidadania .
                                  Iderval Reginaldo Tenório

UOL Mais > Zé Ramalho - Admirável "Gado Novo".

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05/07/2011
... vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz! Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz! Lá ...


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