quinta-feira, 1 de novembro de 2012

HISTORIA DE UM VERDADEIRO PAI

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HISTORIA DE UM VERDADEIRO PAI

HISTÓRIA DE UM VERDADEIRO PAI
No inicio de minha vida profissional fui plantonista de um sério pronto atendimento.

Nestes plantões eram lotados dois médicos , os atendimentos eram para pacientes emergenciais, os casos mais graves  eram transferidos e recebidos com todo prazer pelos plantonistas da unidade Hospitalar que davam suporte a este pronto atendimento.

Era discutido naquela época, como nos dias atuais, o que é um atendimento de urgência, o que deve o médico atender, até que ponto é ético o médico dizer que este caso não é emergência e não deve ser atendido nesta casa e sim por outra unidade, unidade esta que neste complexo existia e muitas vezes com especialistas.

Era domingo,  , chovia torrencialmente e a cidade estava deserta, não me recordo o motivo, a pediatria se encontrava desativada , recomendado cautela. Os pacientes eram atendidos alternadamente , até a meia noite era intenso o movimento, depois caia consideravelmente, era 03h30min da manhã, chegou um senhor de uns 40 anos de idade, trazia embalado nos braços envolto num grosso lençol uma crianças de 4 a 5 anos , foi até a recepção , disse que o filho estava com febre e dor na garganta .

A recepcionista explicou que não se tratava de uma emergência e que deveria procurar o outro serviço logo que o dia clareasse .

Humildemente o senhor sentou numa cadeira defronte a televisão, pensou, refletiu , voltou para a recepcionista, tentou explicar e sem sucesso. Solicitou que lhe mostrasse quem eram os médicos, queria falar e solicitar pelo o amor de Deus que atendessem o seu filho, o médico da vez respondeu que aquele caso não configurava uma emergência e poderia muito bem esperar até o amanhecer.

Pensou: amigdalite às 3:30h da manhã, era brincadeira, porque não levou o garoto durante o dia no ambulatório apropriado, resmungou para si, amigdalite às 3 e 30, é demais .

Ao ver a cena e sentir naquele pai um semblante de diminuição, de inferioridade e de desvalorização como cidadão, chamei o colega, solicitei que atendesse , foi irredutível.

Não pensei duas vezes, mandei fazer a ficha , solicitei que colocasse o pai e o filho no consultório, chamei o colega e frente a frente, iniciei a consulta, não uma consulta médico-clínico, mas uma consulta médico-social. 

O pai revelou que morava na periferia, que saíra de casa às 06horas da manhã, trabalhava numa empresa encostada noutra, nem mais era terceirizada, o transporte era uma casinha adaptada sobre a carroceria de um caminhão,não tinha alimentação, nem garantia de emprego e era o último a chegar em casa no subúrbio ferroviário, depois de uma peregrinação por toda a cidade, devido o despejo dos seus pares que moravam em pontos diversos.

Naquele dia havia deixado a fábrica às 22 horas, rodara por mais de 150 quilômetros , ao chegar em casa, sem almoço e sem jantar, sem banho e possuído pelo cansaço, foi avisado pela esposa que o menino estava com febre e esperava o pai para levá-lo ao médico , matou a sede, encostou a mochila e a marmita, embalou a criança e debaixo de chuva,andou a pé três mil metros,pegou o trem suburbano que se conectava com o ultimo ônibus e depois de rodar 30 quilômetros atingiu o fim de linha,um turístico logradouro, desceu a pé um íngreme , enladeirado , longo e deserto percurso da grande praça ao longínquo serviço de urgência.

Na solidão do caminho,na escuridão da noite, sob o frio da úmida e torrencial chuva,arriscando as suas vidas, mergulhou na realidade .  Na cabeça um turbilhão de pensamentos, todos de baixa estima: pobre, não bonito, suburbano, pertencente a uma categoria sem valor, afro descente, cansado, naquele dia sem se alimentar, foi tomado pelo desânimo, porém, tinha um filho, possuía um rei,possuía uma das razões que justificava viver,que justificava todo e qualquer sacrifício, aliás, levar o seu filho a um médico, não era sacrifício,era um prazer e pensava no seu trabalho, na sua família, no seu pai, via e sentia naquela hora,naquele momento como era difícil a vida,como era dura,como era insignificante diante do mundo, ainda bem que existia o médico,este sim me compreendia,este sim era homem de coração bom,este sim atendia a toda hora,atendia em todos os momentos, nos momentos de necessidades e sempre alegre,sempre rindo,ainda bem que existia o médico, deste mundo só o médico,somente o médico era verdadeiramente humano,quem era ele para ser atendido,para receber a atenção daquela espécie de homem,homem estudado e importante,inclusive por ele ser um simples operário era condição suficiente para não ser atendido, ainda assim , o médico atendia.  Atendia porque era humano, porque era bom, porque era gente , apesar de médico era gente e foi assim que veio pensando em todo o seu longo e difícil trajeto,imaginava encontrar um amigo,um amigo que lhe escutasse, que lhe desse atenção, que lhe desse socorro, ainda bem que existe o médico.

Disse também que saiu preocupado como voltaria,com que carro, com qual dinheiro e para ir ao trabalho no outro dia, sem dormir, sem comer , sem condições de faltar e se fosse demitido? porém, nada disso era mais importante do que aquele filho, nada tinha mais importância do que a saúde do seu filho. 

O colega frente a frente , escutava silenciosamente  o lamento do pai . Aquele depoimento era mais um desabafo, um desabafo social, um desabafo para com ele mesmo,um desabafo quem sabe, talvez para com DEUS, e o colega escutava calado, silencioso,olhar perdido,o colega estava noutro mundo bem distante, não sei aonde, num lugar longínquo; cabisbaixo.

 Repentinamente, com os olhos marejados , voz trêmula, rompeu o silencio , abraçou o guerreiro pai e balbuciou: PAI, AH SE TODOS OS PAIS FOSSEM ASSIM! COMO SERIA DIFERENTE.


Pegou as rédeas do atendimento, arranjou energia não sei aonde, atendeu, conversou, riu, ofereceu o seu lanche noturno e o café da manhã para aquele pai exemplar , alimentou a criança , pediu-me que passasse o plantão pela manhã e com a criança medicada,a bolsa cheia de amostras e muita disposição foi conhecer na periferia onde morava um homem, onde morava um cidadão , onde morava um verdadeiro pai e saíram os três na mesma condução .

Ainda hoje, nos encontros da vida escuto do nobre e gentil colega:__meu amigo, muito obrigado, a medicina não é só conhecimentos técnicos é muito mais. A medicina é o social, é o humanismo, é a ética, é o altruísmo, a medicina é a essência da cidadania , a medicina é uma das representantes fiel de Deus.

Ser médico enfim, é ser um misto de tudo quanto é de bom, ser médico é ser provedor, acolhedor e compreender os encontros e os desencontros do homem , ser médico é apenas ser Médico. APENAS. 
Iderval Reginaldo Tenório

  1. Miniatura

    A Vida de Viajante - Luiz Gonzaga

    de Fernando Azenha  1 ano atrás  16488 views
    Clipe com a música A Vida de Viajante, de Luiz Gonzaga
  2. Luiz Gonzaga e Gonzaguinha - "A Vida do Viajante"

    de calulinho  3 anos atrás  88986 views
    Luiz Gonzaga e Gonzaguinha cantam "A Vida do Viajante






12 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo e pricipalmente pela lição de amor, de solidariedade, de se colocar no lugar do outro, isso é ser Médico, isso é cuidar, isso é ser Gente! Compartilho com você caro colega, a beleza do cuidar , do olhar para o social, enxergando o paciente na sua totalidade,na sua singularidade!! Repito suas palavras: " Ser médico é apenas ser Médico. Apenas". Trabalho com Médica Saúde da Família, que é a minha paixão, me deparo no meu cotidiano com situações semelhantes!Falo sempre para meus internos, que ser médico, é escutar , é se colocar no lugar do outro, é cuidar, pricinpalmente, é ter um olhar singular, integrativo e sistêmico! Orgulho-me de ter colega como você Iderval Tenório!! Deus te abençoe!

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  2. Gostei bastante, texto emocionante e motivador. Como disse o médico "Ah si todos os pais fossem assim", acho que o mundo seria bem melhor, ao meu ver se as pessoas mudarem o mundo muda.

    Marcus Vinícius

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  3. DR. IDERVAL!

    Que lindo depoimento!
    Estamos carentes de profissionais "humanos", pois a grande maioria, sequer olha a pessoa que atende.
    Parabéns DOUTOR! Que os anjos te cuidem, para que possa cuidar de muitos anjos!
    Tenha um lindo fim de semana!
    Beijos!

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  4. O ser humanos é apenas humano, apenas .Iderval.

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  5. Dificilmente podemos encontrar um artigo melhor que o seu sobre o assunto, como sempre curto demais o seu blog e seus artigos pois os mesmos enriquecem mais os meus conhecimentos e minha alma, obrigado amigão

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  6. MARCÃO, O AMIGO TEM SIDO DURANTE TODOS ESTES ANOS UM EXEMPLAR ´PAI,DO ALTO DOS SETENTA CONTINUA COM AS RÉDEAS ,CONTINUA EQUILIBRADO NAS DECISÕES E DONO DE DIGNOS ENSINAMENTOS PARA NÓS.NÓS APRENDEMOS E MUITO.UM ABRAÇO IDERVAL.

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  7. Obrigado Iderval, estarei sempre com os amigos sem questionamestos.

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  8. Toda vez que leio esse texto eu me emociono, pois sinto muita falta de um pai. Infelizmente o que a vida me deu não foi o que eu esperava, ou seja, não foi um pai. Foi-se muito cedo, levado pelo álcool, deixando para trás dezena de filhos, metade com parentes, metade sozinhos e assim crescemos, formamos família e pudemos dar aos nossos filhos o amor que sempre buscamos e não obtivemos por parte do nosso pai.
    Muito bonito doutor, parabéns!
    Jô Alves

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  9. Querida mestra,o maior legado de um Pai é a Vida, uma vez dado a vida e se for muito generoso,deu a oportunidade de conhecer este Universo,depois da vida e desta oportunidade,deu também o nome e o sobrenome, para completar deu a alimentação básica e se for um grande Pai lhe dará uma boa educação. Poucos tem todo este perfil,poucos,então a vida já é uma grande dádiva de Deus e se os parentes ajudarem pouca falta fará este Pai, o futuro será a resposta,a resposta estará dentro de cada um e será sempre lembrada . Se o Pai foi um grande Pai,o passado será ótimo,se não, não é condição para não vencer e para mostrar que os fortes vencerão independentes das péssimas lembranças do passado.Um abraço Iderval.

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  10. Parabens pelo artigo,e principalmente pela lição de amor a solidariedade. Isso é ser Médico,é escutar o paciente,é se colocar no lugar do outro, é cuidar principalmente de quem mais necessita, pois a grande maioria sequer olha a pessoa que atende.
    Falo por experiência própria,das qualidades do Dr. Iderval ao olhar para o social e humanitário demonstrando o tamanho do seu coração quando me atendeu no seu consultório,fazendo-me naquele momento difícil, me sentir gente, digno de tratamento da pessoa humana.
    Que o G.A.D.U. te cuide.

    Carolino Barreto Filho

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  11. Caro amigo Iderval Tenório,
    Acabei de ler seu artigo e fiquei há pensar quanto tempo o amigo tem de profissão! E, imediatamente me respondi: não importa o tempo, o que verdadeiramente importa é o que o Ser Humano Iderval Tenório busca levar a cada dia ao seu próximo e igual: “Respeito e Dignidade à Pessoa Humana”.
    No consultório, enquanto aguardamos pela sua atenciosa consulta, dispõe da mais pura literatura de Cordel, além dos versos e poesias que maravilham a todos os que ali frequentam como pacientes ou como acompanhantes.
    Quanto ao artigo: “A HISTÓRIA DE UM VERDADEIRO PAI”, está tão atual que iniciei este breve comentário tentando imaginar quanto tempo o amigo labuta com a saúde neste nosso imenso Brasil. Atual, pois, nos dias de hoje vemos nas diversas reportagens, fatos tão iguais que este artigo poderia ter sido notícias no jornal de hoje.
    Bem! Há tudo isso ficou a lição não só dos Anjos da Vida: Médicos e Enfermeiros, mas como exemplo a todas as áreas de atendimento social.
    Costumo dizer que em todas as profissões existem: o trabalhador e o profissional. O trabalhador executa seu trabalho maquinalmente; já o profissional, inova no atendimento, está sempre atualizado, atende sempre com presteza, doa seu tempo em prol do seu próximo sem distinção.
    Saiba meu grande amigo, que Deus em sua infinita sabedoria e bondade presenteia a humanidade com criaturas iluminadas e, você Iderval é uma dessa criaturas que nos instrui com sua inteligência, paciência, amizade, respeito e exemplo de profissional da medicina.
    Parabéns, que Deus continue te dando toda essa energia de Amor e conhecimento que distribui generosamente em suas publicações.
    Beijo no Coração, dos amigos: Gustavo Nunesmaia e Telma Lima.

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  12. Kaliny Matos História emocionante, deveriam usar na política de humanização nas facudades de Medicina..... Adorei.....Conheço um médico humano e este me relatou que vive para atender as pessoas, suas palavras naquele momento me paralisou, porém em uma comunidade do CAIC bairro populoso e carente dk do Juazeiro ele fazia visita diária aos pacientes e não media esforços para ajudar..... Enfim, a Saúde está na UTI e os profissionais não estão sendo humanos, e os médicos estão muito capitalistas..... Amo o que eu faço como enfermeira e jamais deixaria um paciente voltar sem atendimento..... um abraço.

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