domingo, 6 de novembro de 2011

O PRESIDIÁRIO






NA PENITENCIARIA

Outro dia ao visitar uma penitenciaria tipo colonia agrícola  e dialogar com uma variedade de moradores,fiquei impressionado com a  sabedoria de cada um e aqui publico um pequeno trecho  que achei importante.


Eu defronte a um  velho de barba branca,cabelos longos e rabo de cavalo,uma tatuagem  de um dragão cuspindo fogo em ambos os deltóides,voz arrastada, pouca leitura , pele  encolhida, olhos perdidos sem direção.

Depois de um bom pate papo,olhou para o mundo,mirou  o infinito,lá onde o céu se encontra com a terra ou com o mar , com um cavador na mão,um bornal  de carregar grampos e martelos escanchado no ombro , um pé de cabra para esticar arames ,mãos grossas,unhas com as pontas escuras,olhou para o sol fechando e abrindo os olhos devido a sua  claridade, enxugou o suor que caia sobre a ressecada tez,falou com a sua rouca e entrecortada voz,quase gutural,fazendo careta com os músculos da face .

Pausadamente como encatracado deixa sair da banguela boca estas saudosistas palavras.

___DI QUI ADIANTA VIVER NUM MUNDO COMO ESSE,DE QUI ADIANTA?! O MUNDO PRA MIM NUM TEM SENTIDO,VIVO CÁ HÁ 46 ANOS,NUM TENHO MUÉ,NUM TENHO PAI,NUM TENHO MÃE,NÃO PISSUO FIOS E NEM AMIGOS,A VIDA É SÓ DRUMIR,ACORDAR, COMER,CAGAR ,CAVAR BURACO E INSTICAR ARAME, NUM TEM SENTIDO:  DRUUUMO,  ACOORDO, COOOMO, CAAAGO,  CAVO BURAAACO E DISPOIS,DISPOIS  VOU INSTICAR ARAME. NUM TEM SENTIDO.

Parou de balbuciar estas palavras,olhou para o sol a pino, coçou a cabeça,colocou o seu chapéu de palha,pôs o cordão por debaixo do queixo ,arregaçou as mangas da grossa camisa cinza do mais puro  brim aberta até o umbigo e falou  resmungando para si e para este interlocutor com pausas  entre as palavras,fiquei boquiaberto com o seu fechamento:

___HUM!,   QUI DUREZA!,   AFE!   QUI  SÓLE QUENTE ,  JÁ COMÍ,  JÁ CAGUEI,   JÁ CAVEI MEUS BURACOS  E AGORA MEU  SINHOR    ,VOU INSTICAR  ARAME.

E com o tom da voz cada vez mais baixa foi falando,abaixando a voz  e se afastando:

____VOU INSTICAR ARAME ,VOU INSTICAR ARAME .HUM! INTÉ MAIS.INTÉ.

Saiu à procura de arames farpados soltos e de estacas carcomidas pelos cupins ,estacas prestes a serem substituídas.

Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca,puxa aqui ,puxa alí,uma martelada ,um grampo que cai,um grampo que se perde,um resmungo,uma cusparada,uma  estaca frouxa,mole quase caindo e lá se vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo. Come depois descome,cava buraco , estica arame, olha para o sol,enxuga a testa,bota a mão no bornal,dá uma martelada,,assoa o nariz,estica a coluna com as mãos nos quartos ,coça as nádegas e continua a deambulação.É a sua rotina ,é o cotidiano ,é a vida .
 Salvador, 21 de abril de 1998

 Iderval Reginaldo Tenório

2 comentários:

  1. A bordo dessa nave terra tolos como eu..destino ignorado só cabe inventar um Deus...presidiário de si mesmo...herói sem medalhas sem direito a patrilha encurralado na própria armadilha...


    Parabens! Dr.iderval..

    Aldo Souza

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  2. Meu caro Iderval, este seu modo de escrever agrada.
    Fala do seu povo, da sua gente, dos problemas da terra.
    Em suma: é autêntico.

    Grande abraço,
    Jorge

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