sábado, 6 de agosto de 2011



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Quando Dona Ivone Lara sobe ao palco os aplausos e os olhares são de reverência. Os últimos 60 anos de nossa música popular cantam. Na sua voz ecoam as origens do carnaval e da Império Serrano e 30 anos trabalhando em um instituto psiquiátrico. Em seus sambas também soam as melodias da exceção.  Como uma mulher, negra e pobre pode alcançar o sucesso como cantora e compositora depois dos 50 anos de idade? Essa é a pergunta que o livro Nasci para sonhar e cantar, de Mila Burns, tenta responder.

Segundo a autora, as pistas estão na trajetória de sua vida e nas transformações sociais que o país sofreu nos últimos 70 anos. É quase aquela história de estar no lugar certo na hora certa. Mas no caso de Dona Ivone é de sempre estar ali, ao lado de grandes sambistas e vivenciar uma difícil escolha: o samba ou a segurança econômica. Durante quase trinta anos fez ou foi forçada a aceitar a segunda opção.

Quando criança ouvia Pixinguinha e Jacob do Bandolim tocarem na casa de seu tio Dionísio, um ótimo violonista de 7 cordas. Aos 12 anos foi para um internato para moças onde teve aulas teóricas e de canto com Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro. Nessa época nasce Tiê-tiê, sua primeira composição, que até hoje integra seu repertório nos shows. Casou-se com Oscar, filho de Dona Iaiá e Alfredo Costa, fundadores da Prazeres da Serrinha, uma das primeiras escolas de samba do Rio, e que deu origem a Império Serrano.

Nascida em abril de 1921, ficou órfã aos 12.  Desde muito cedo sabia que teria que buscar sua independência, guiar seu próprio destino. Ao sair do internato aos 18 anos, foi morar em Madureira com o tio. Anos depois começa a trabalhar no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro – lugar onde se aposentaria 30 anos mais tarde. Lá conviveu com Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento psiquiátrico ao introduzir as artes no cotidiano dos pacientes.

Boa parte dessas três décadas ela continuou compondo em segredo. Como é até hoje, o machismo dominava a ala de compositores das rodas e escolas de samba. Mulher só podia cantar. Com suas músicas entaladas na garganta, ela fez um acordo com um de seus primos mais velhos, Mestre Fuleiro, um dos grandes bambas da história da Império Serrano. Ele levaria as composições de Dona Ivone para as rodas e diria que eram dele. Resultado: um grande sucesso. “Não sentia raiva do preconceito, dava orgulho de ver que o povo gostava” lembra a cantora.

O livro relata os mundos de Dona Ivone: dona de casa, mãe de dois filhos, esposa e assistente social. A sambista, só nas folgas e nas férias, que tirava religiosamente no Carnaval para ficar o mais próximo possível da escola. Tudo mudou em 1965, quando pela primeira vez na história uma mulher assinou um samba enredo. Ao lado de Silas de Oliveira e Bacalhau, compôs Os Cinco Bailes da História do Rio para a Império Serrano. A partir daí, definitivamente nasce a cantora e a compositora.

Somente em 1970, grava seu primeiro disco “Sambão 70” com Clementina de Jesus e Roberto Ribeiro, pelas mãos de Oswaldo Sargentelli. Foi ele quem batizou seu nome artístico. Em 1977, aposenta-se e definitivamente se dedica a carreira musical. Um ano mais tarde, chega o reconhecimento nacional com a gravação de “Sonho Meu” por Maria Betânia e Gal Costa.  Depois disso, foram dez anos de sucesso, com quase um disco por ano chegando às lojas.

A obra, uma dissertação de mestrado que chega às livrarias sem academicismos,  traça as mudanças culturais do pais, como por exemplo a imagem do samba. Perseguido na primeira década do século passado, passa a ícone da cultura nacional na década de 40 e 50. Resumidamente, foi essa aceitação, junto com o talento e a proximidade com as escolas de samba que permitiram a Dona Ivone Lara se transformar em uma de nossas divas, uma das maiores compositoras do pais. Hoje, nos shows como no livro, o público só lhe rende justas homenagens.

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